ATA DA TRIGÉSIMA TERCEIRA SESSÃO SOLENE DA SEGUNDA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA SEGUNDA LEGISLATURA, EM 08.09.1998.

 


Aos oito dias do mês de setembro do ano de mil novecentos e noventa e oito reuniu-se, no Plenário Otávio Rocha do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre. Às dezenove horas e trinta e nove minutos, constatada a existência de “quorum”, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos da presente Sessão, destinada à entrega do Título Honorífico de Cidadão Emérito ao Senhor Jorge Verardi, nos termos do Projeto de Resolução nº 42/98 (Processo nº 3680/98), de autoria do Vereador Nereu D’Ávila.  Compuseram a MESA: os Vereadores Isaac Ainhorn, 2º Vice-Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, presidindo os trabalhos; a Senhora Margarete Moraes,  Secretária Municipal de Cultura, representando o Senhor Prefeito Municipal de Porto Alegre; o Senhor Adalberto Pernambuco Nogueira, Conselheiro-Geral do Conselho Estadual da Umbanda e dos Cultos Afro-Brasileiros - CEUCAB; o Senhor Herculano Nogueira; o Pai Cleom de Oxalá; o Senhor Jorge Verardi, Homenageado; o Vereador Nereu D’Ávila, na oportunidade, Secretário “ad hoc”. A seguir, o Senhor Presidente convidou a todos para, em pé, ouvirem à execução do Hino Nacional. Após, concedeu a palavra ao Vereador Nereu D’Ávila que, em nome da Casa, destacou a justeza do Título hoje entregue, analisando a forma como a questão religiosa é vivenciada no País e afirmando a importância da atuação do Senhor Jorge Verardi, como líder espiritual e divulgador do africanismo no Rio Grande do Sul. Em prosseguimento, o Senhor Presidente convidou o Vereador Nereu D'Ávila a proceder à entrega do Diploma referente ao Título Honorífico de Cidadão Emérito ao Senhor Jorge Verardi, concedendo a palavra ao Homenageado, que agradeceu o Título recebido. Após, o Senhor Presidente convidou os presentes para, em pé, ouvirem à execução do Hino Rio-Grandense, agradeceu a presença de todos e, nada mais havendo a tratar, declarou encerrados os trabalhos às vinte horas e quarenta e quatro minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Vereador Isaac Ainhorn e secretariados pelo Vereador Nereu D’Ávila, Secretário “ad hoc”. Do que eu, Nereu D’Ávila, Secretário “ad hoc”, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após distribuída em avulsos e aprovada, será assinada pelos Senhores 1º Secretário e Presidente.

 

 


O SR. PRESIDENTE (Isaac Ainhorn): Estão abertos os trabalhos da presente Sessão Solene, destinada à entrega do Título Honorífico de Cidadão Emérito ao Sr. Jorge Verardi.

Convidamos para compor a Mesa a representante do Prefeito Municipal de Porto Alegre, Sra. Margarete Moraes, Secretária Municipal de Cultura; o homenageado, Sr. Jorge Verardi; o Conselheiro-Geral do CEUCAB - Conselho Estadual da Umbanda e dos Cultos Afro-Brasileiros, Sr. Adalberto Pernambuco Nogueira.

Convidamos todos os presentes para, em pé, ouvirem o Hino Nacional.

 

(Executa-se o Hino Nacional.)

 

A presente Sessão tem como objeto a concessão do Título de Cidadão Emérito de Porto Alegre ao Sr. Jorge Verardi, nosso amigo, figura por demais conhecida desta Cidade, figura exponencial da Umbanda e dos cultos afro-brasileiros.

Quero dizer a todos que, na condição de Vice-Presidente desta Casa, honra-me muito, nesta oportunidade, presidir a Sessão de outorga desse título a essa pessoa que há muitos anos dedica sua vida, seu esforço espiritual e intelectual no sentido de elevar a Umbanda, de aprofundar, difundir e divulgar os cultos afro-brasileiros. Por essa razão esta Casa concedeu esse título a esse cidadão por unanimidade dos seus membros. A iniciativa coube ao Ver. Nereu D’Ávila e foi apoiada pela unanimidade dos trinta e três Vereadores que compõem este Legislativo Municipal.

Há poucos dias, em outra memorável sessão, esta Casa concedeu o título a uma figura também extremamente conhecida por todos e admirada por seu trabalho, pela sua dedicação à causa da Umbanda e aos cultos afro-brasileiros, que é a figura do Pai Marçal. Isso revela, indiscutivelmente, o reconhecimento desta Casa a esse conjunto de pessoas que, pela espiritualidade, pelo amor ao próximo, procura dar a sua parcela efetiva de contribuição à construção de uma sociedade mais justa e mais fraterna, através de um aumento da espiritualidade em nosso seio.

Não preciso, aqui, dizer aos senhores da importância que têm a Umbanda e os cultos afro-brasileiros para a nossa história, as nossas raízes, profundamente identificada com as nossas raízes, com a nossa cultura brasileira. Portanto, sinto-me profundamente lisonjeado, Jorge, por presidir esta Sessão, assim como tive a oportunidade de me manifestar por ocasião da concessão do título ao Pai Marçal. A nossa saudação igual a esta iniciativa importante, da lavra do eminente Ver. Nereu D’Ávila.

Gostaríamos, também, de convidar para fazer parte da Mesa o Presidente da Afrorito, Sr. Herculano Nogueira. (Palmas.) Convidamos, também, o Pai Cleom de Oxalá. (Palmas.)

Temos que fazer um registro importante que nos foi assinalado pela Secretária da Cultura, Sra. Margarete Moraes, e que foi uma falha deste Presidente. Não referi que, por iniciativa do Ver. Gerson Almeida, foi conferido o Título de Cidadão de Porto Alegre ao nosso Pernambuco, que participa da Mesa desta Sessão Solene. Portanto, todos os motivos estão suficientemente assinalados para registrar a importância da concessão deste título e o reconhecimento desta Casa à Umbanda e aos trabalhos que realiza, deixando, nesta  noite, este Plenário repleto de convidados.

O Ver. Nereu D’Ávila, proponente da homenagem, está com a palavra e falará  em nome da Casa.

 

O SR. NEREU D’ÁVILA: Sr. Presidente, Srs. Vereadores. (Saúda os demais componentes da Mesa.) Amigos, chefes de terreiro, babalorixás e alorixás, autoridades da nossa religião, convidados, minhas senhoras e meus senhores. 

Estamos aqui reunidos num ato muito importante. Está recebendo o Título de Cidadão Emérito de Porto Alegre o Sr. Jorge Verardi, Presidente da AFROBRAS, da Federação dos Cultos Afro-Brasileiros do Rio Grande do Sul, que inclui uma multidão de adeptos espalhados por toda essa Cidade e por todo esse Estado.

Diviso, dessa tribuna do povo, lideranças muito fortes da nossa religiosidade, quer da Umbanda, quer do Africanismo. Aprendi com Moab Caldas, que não me canso de citar, porque foi o primeiro espiritualista, e na década de 50, quando praticava o Africanismo, a religião de Umbanda, até mesmo o Espiritismo de Kardec era considerado a união com o demônio. O Moab, vindo lá do Nordeste, enfrentou preconceitos que na época eram fortíssimos, mas que ainda são mantidos hoje. Elegeu-se deputado estadual por duas vezes. Portanto, dediquei-lhe uma das avenidas mais importantes desta Cidade: a Av. Tronco chama-se Av. Moab Caldas, por lei desta Casa, por iniciativa deste Vereador.

Mas o nosso homenageado chama-se Jorge Verardi, natural de Cruz Alta, e é o líder do Africanismo no Rio Grande do Sul. Também ele, junto com o Pernambuco, que é o Presidente do CEUCAB, duas vertentes da espiritualidade, que, junto com o Espiritismo, são aquilo que o Moab chamava “Os Irmãos Trigêmeos da Espiritualidade”. E ele, Jorge Verardi, na Presidência da AFROBRAS, tem procurado assim agir, ao longo desses anos, através do quarto ou quinto encontro realizado nesta Casa todos os fins de ano, os encontros das religiões, dos cultos afro, patrocinados pela AFROBRAS. Há, também, o encontro da Assembléia, em outubro, que também já se realiza, há muitos anos, em Pernambuco. São acontecimentos culturais que considero da mais alta importância, porque lá são debatidos, como também aqui na Câmara, assuntos pertinentes a nossa religiosidade. Portanto, o Verardi, na AFROBRAS, tem-se desdobrado num trabalho, junto com outras lideranças, muito forte pela religiosidade e pelo Africanismo.

Anteontem à noite, dia 6 de setembro, dia de Oxalá, lá no Pai Cleom de Oxalá, que realiza sempre uma das grandes festas desta Cidade, eu dizia na frente de uma pequena multidão que Pierre Verger era chamado também de Fatumbi Verger. Quando ele foi feito “em keto”, na África, Babalaô, em 1948, pela mão de owudu, este fez a sua cabeça e colocou-lhe entre Pierre e Verger a palavra “Fatumbi”, que quer dizer “aquele que nasce de novo por vontade de Ifá”. Estou falando para africanistas que conhecem Iorubá. E eu dizia, há dois dias, no Pai Cleom, que Pierre Verger, francês, fez mais de trinta obras sobre o Africanismo porque durante dezessete anos ele viajou da Bahia à África, principalmente à Guiné e à Nigéria, e através das suas magníficas obras nos legou profundos conhecimentos do Africanismo, os quais o Jorge Verardi e muitos outros colocam em execução aqui no nosso Estado e na nossa Cidade.

Eu sempre tenho dito também que há necessidade de que o Africanismo se mostre mais positivo, não só através da religião. Por isso a importância dos encontros  que o Verardi faz anualmente e a necessidade de os próprios africanistas divulgarem a história do Africanismo, porque não há dúvida de que o ranço do preconceito acompanha aqueles que praticam o Africanismo. Por isso, em todas as leis que tenho feito em prol da Umbanda e do Africanismo, um dos principais projetos que está para ser votado nesta Casa é aquele que institui, nas escolas de 1º e 2º graus, a história do Africanismo, quando nessas escolas estiver inserido o estudo religioso. Por que apresentei esse Projeto? Porque pesquisei e ficou claro que, onde há educação religiosa, ela se confunde com uma religião oficial, o que aconteceu por séculos e séculos. Dominando esse mundo, apenas uma religião, que eu não tenho nada contra ela, mas que se confundiu com o Estado em determinadas épocas, mas hoje não se confunde mais. E, das sete Constituições brasileiras, a única, essa Constituição cidadã de 1988 foi a única delas que, através do texto constitucional, inseriu expressamente a liberdade religiosa de culto religioso neste País.

Finalmente, os brasileiros deram-se conta de que não há uma religião oficial nesse País, mas há uma pluralidade religiosa que deve ser respeitada, principalmente o Africanismo, porque não falar no Africanismo é compactuar com o preconceito racial, inclusive. Agora, por exemplo - hoje é 8 de setembro. Daqui a alguns dias teremos a nossa data maior aqui no Rio Grande: o 20 de Setembro. De quem se falará em 20 de setembro? Já estou acostumado: Bento Gonçalves, Onofre Pires, Garibaldi, Anita - que eram  estrangeiros -, Manoel Ribeiro e tantos outros que foram heróis, sim, mas jamais se falou que Bento tinha uma divisão de cavaleiros e lanceiros negros que ajudaram a vencer o Império em muitas batalhas, que foram os “Farrapos”. Isso acontece porque, quando se trata do negro, põe-se a questão para baixo do tapete e simplesmente não se cita. É um racismo escondido. E dizem que no Brasil não há racismo! Há racismo, sim, e muito forte, e é pena que muitos negros não colaborem para que isso não viceje.

Outro dia, numa entidade de negros, quando tratamos sobre a Semana da Consciência Negra, pois esta Casa instituiu uma semana de consciência negra em torno de 20 de novembro, que é o Dia de Zumbi, o Dia do Negro, eu, como Líder de Bancada, indiquei duas entidades - uma religiosa africanista e outra civil - para fazer parte da Semana e para dirimir onde será aplicada a verba da Prefeitura nessa Semana da Consciência Negra. Nesse dia, a presidente da entidade negra civil contou que na reunião da Diretoria questionaram como eu, Ver. Nereu D’Ávila, apresentei isso, se sou branco? Ela respondeu que sou branco, mas que luto pelo Africanismo e pelo negro. E quem disse isso foi um negro.

Às vezes, há racismo também de parte do negro, e nós temos que corrigir toda e qualquer espécie de racismo, e não só contra os negros. Aqui está presente um eminente judeu desta Cidade, um dos mais votados - Ver. Isaac Ainhorn -, que é muito respeitado pela sua postura política. Racismo? Nenhum, de qualquer ordem! Por isso o Verardi recebe este título, porque ele é o Presidente da AFROBRAS, lidera uma entidade forte, quer fortalecer essa entidade e precisa do apoio de todos.

Uma coisa que ouço muito, porque freqüento (e aqui há muitos rostos familiares e quase sei o voto de quem está aí; vocês sabem que temos que nos fortalecer),  ouço muito que a nossa religião não é unida. Não é unida porque não quer ser unida. Basta se unir, basta querer, basta se respeitar. Então, assim como o Presidente Isaac Ainhorn disse, outras figuras foram homenageadas, mas nós resolvemos também homenagear o Presidente da AFROBRAS - federação dos africanistas, dos negros, dos representantes da raça negra. Porque, se a miscegenação racial do Rio Grande veio de portugueses, espanhóis, acrescentados a alemães, italianos, poloneses e tantos outros, não se pode esquecer que também o negro teve participação decisiva na história cultural, social,  deste Estado e deste País.

Portanto, para nós, Câmara Municipal, para nós, representantes do povo de Porto Alegre, e para mim, principalmente, que me orgulho de dizer que represento nesta Casa pelo menos parte daquilo que o Moab chamou dos irmãos trigêmeos - o Kardecismo, de Allan Kardec, a Umbanda e o Africanismo -,  muito me honra e muito me honrou poder te dar, Verardi, este Título de Cidadão Emérito da Cidade.

Aí está a nossa Margarete, eminente Secretária de Cultura. E eu vou te fazer um pedido, Margarete, porque eu fiz um ofício pedindo para que nos unamos no Dia da Mãe Oxum, 8 de dezembro, nas duas festas que existem na Cidade. A Prefeitura fazia a comemoração na Usina do Gasômetro e nós íamos para a Praia de Ipanema. Eu também, através de lei, instituí uma estátua em Ipanema - e inclusive a SMAM já determinou o lugar -, estátua à Mãe Oxum, a nossa rainha das águas doces. Eu fiz um ofício e tenho certeza  de que tu darás o teu “ok”, porque virá em benefício de todos nós. E nós temos que ter uma direção, e lá, ao longo desses anos, tem ido mais gente, até porque a praia de Ipanema está muito bonita. Portanto, nós devemos unir, e eu já sei que assim será, porque tu tens muita sensibilidade nesta parte, porque estás muito bem-assessorada.

Nós queremos te saudar, Verardi, dizer que o povo de Porto Alegre te homenageia, porque nós, trinta e três Vereadores, representamos o povo de Porto Alegre, todos os segmentos da sociedade, e esta Câmara, por unanimidade, votou o teu nome para a concessão deste título. É com muita honra que nós somos os protagonistas desta homenagem. Eu sei que, como és o Presidente da AFROBRAS, esta homenagem não ficará restrita a tua individualidade, mas será distribuída em todo o Africanismo, também, do Estado que representas.

Eu sei que és uma pessoa que te dedicas integralmente ao culto da religião e ao trabalho de dirigir o Africanismo no Rio Grande do Sul. Continue assim, porque a grandeza dos homens não se mede pela vida obscura ou pomposa que eles levam. A grandeza dos homens se mede pelos atos que eles praticam, pelas idéias que eles difundem e pelos sentimentos que eles comunicam aos seus semelhantes. E os atos do Verardi são límpidos, translúcidos e transparentes. Todos sabemos disso. Os sentimentos que ele comunica aos seus semelhantes são inspirados na nossa religião, que prega o bem, o amor e a fraternidade.

Portanto, em nome de toda essa representatividade magnífica de líderes espirituais que aqui estão, de templos espirituais aqui representados, de pessoas de alto calibre espiritual, em nome de toda essa coletividade africanista, umbandista e kardecista, nós te saudamos. Que as bênçãos do Pai Oxalá nos ilumine a todos e que o nosso caminho seja sempre trilhado pela senda do amor, do bem e da fraternidade. O meu mais profundo Axé, que quer dizer “força”, para ti e para os teus descendentes. Que continues na liderança desse movimento africanista que tão bem tens comandado ao longo desses anos. Muito obrigado.

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE:  Gostaria de registrar a presença da mãe do nosso homenageado, Sra. Alzira; seus filhos Jorge e o José Antônio; as irmãs Jorgina, Solange e Mirian; da noiva Sandra Toldo; cunhados, sobrinhos; pais e filhos de santo.

Neste momento, tenho a honra de convidar o Ver. Nereu D’Ávila para que faça a entrega ao homenageado do diploma que instrumentaliza formalmente a concessão do Título de Cidadão Emérito de Porto Alegre ao Sr. Jorge Verardi.

 

(Procede-se à entrega do Título de Cidadão Emérito de Porto Alegre.)  (Palmas.)

 

Temos a honra de passar a palavra ao nosso homenageado, Sr. Jorge Verardi.

 

O SR. JORGE VERARDI: (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) O meu agô, para quem é de agô; o meu saravá, para quem é de saravá; o meu mucuiu, para quem é de mucuiu, o meu colofé, para quem é de colofé, o meu boa-noite, para quem é de boa-noite.

Existem muitos momentos na nossa vida, momentos especiais. Eu até arrisco dizer que todos os momentos da nossa vida são especiais. Para mim é assim, porque eu vivo cada momento e dou importância a esses momentos, e para cada um eu tenho um lugar no meu coração. Para cada um eu dou o valor que realmente ele merece, não só os momentos bons como este. Até os momentos ruins devem servir para que possamos ter como escudo, para que possamos nos defender, para que possamos lutar e vencer. Mas este é um momento muito especial em minha vida, pois, ao longo dos anos, recebi muitas homenagens, muitos títulos, inclusive no Exterior, mas este é mais especial, porque é o título de Porto Alegre, da minha Cidade.

Eu nasci em Cruz Alta. O meu falecido pai, um viajante, um representante comercial que fazia sua sede em muitos lugares no interior do Estado do Rio Grande do Sul, passava alguns meses ou um, dois ou três anos em outros lugares, representando laboratórios principalmente. Em Cruz Alta, permanecemos seis ou sete anos, onde eu nasci, onde nasceu a Gina e onde nasceu a Solange. E, ainda quando pequenos, nos mudamos para Canoas e depois para Porto Alegre. Meu pai era um homem de fibra, de caráter e personalidade marcante. Em todos os lugares onde chegava deixava marcada a sua personalidade. Foi esse homem que, juntamente com minha mãe, foi moldando o meu caráter, a minha forma de ser, sempre me doutrinando para o bem, para as coisas positivas, para as coisas espirituais, e muito cedo, por problemas até de saúde, vim parar em uma casa de religião.

Com cinco anos fui batizado no Reino de Iemanjá, casa de uma senhora que ainda existe e que por falta minha não está presente. Ainda jovem, na Vila São José, lá dei os primeiros passos na religião. Lá, este garoto que não falava com ninguém, que só se comunicava com a avó, que era paralítica, mãe de minha mãe, iniciei-me na religião e, a partir da minha iniciação na religião, entreguei-me a Xangô e passei a falar, e a falar até demais.

Tentei me afastar algumas vezes, sabedor de que a minha missão era essa, mas não houve condições. Retornando à religião, entreguei-me em todos os sentidos, porque encontrei tudo que precisava na religião. Enquanto as pessoas me davam as costas, enquanto nas lutas da vida havia os fracassos e as vitórias, encontrei na religião e nos orixás sempre o mesmo apoio, sempre a mesma palavra de conforto, carinho e amor. Nunca os orixás me deram as costas. Foi aí que passei a amar cada vez mais esta religião maravilhosa dos orixás. Foi aí que comecei a lutar pela nossa comunidade. Foi aí que comecei a lutar contra a discriminação que, infelizmente, ainda existe contra o negro, contra a religião, e contra os abusos de muitas autoridades deste País, contra os abusos, inclusive, de policiais civis e militares. Todos sabemos o quanto se lutou para garantir essa liberdade que hoje temos. Muitas vezes os cavalos, os militares, os civis batiam, empurravam, coiceavam as portas dos nossos templos para impedir que cultuássemos nossos orixás, mas a força dos orixás é aquela força que veio com os negros, porque os negros, mesmo na imposição das religiões dominantes, conservaram o amor a seus orixás, essa força maravilhosa que está dentro deles mesmos. Aquilo que está dentro de nós ninguém pode tirar, ninguém pode extirpar.

O sentimento religioso desses negros permanece até os dias de hoje, dando a oportunidade para que nós, hoje, os brancos, pudéssemos também cultuar essa religião maravilhosa, também cultuar os nossos orixás. Essa religião que ajuda todas as pessoas, que leva o amor, que leva a paz, que leva esperança aos seres humanos, aos sofridos, àqueles que passam noites mal dormidas, àqueles que vivem nas sarjetas, embaixo das pontes, ao doutor, ao juiz, ao deputado, ao senador, ao presidente, essa é a religião que cultuamos. Não discriminamos ninguém. Não discriminamos aqueles que pertencem a outras religiões e que batem à porta dos nossos templos em busca de um conforto, em busca de um carinho, em busca de esperança. Não perguntamos a ninguém qual é a sua religião. Simplesmente, ajudamos, estendemos a mão, e o babalorixá, neste momento, a ialorixá, os dirigentes espirituais, com certeza, representando ali seus orixás, representando seus pretos velhos, seus caboclos, seus exus, enfim, levam esta palavra, trabalham e lutam. E quantas pessoas são curadas? Quantas pessoas saem do vício? Quantas pessoas conseguem um trabalho através da nossa religião?

É por isso, meus irmãos, que no dia 6 passado, na casa de Pai Cleom de Oxalá, onde se homenageava Pai Oxalá, eu disse que temos que fazer religião não apenas em nossos terreiros, em nossas casas de religião. Precisamos fazer religião em todos os momentos de nossa vida, praticando o bem com humildade, com carinho, sem ódio, sem rancor e participando das diferenças, das dificuldades, dos problemas da comunidade em geral, não apenas da nossa comunidade religiosa. Precisamos participar de todos os problemas, das campanhas, fazermos religião na rua, mostrar que somos uma religião. Nós não somos uma seita, como querem impor. Somos uma religião, porque nos sentimos religião! Somos uma religião mesmo que não sejamos reconhecidos como tal, porque neste País só há uma religião reconhecida: a religião Católica. As demais são consideradas seitas. Mas nós praticamos e nos sentimos religiosos. Temos essa consciência, e eu, nas minhas lutas, não admito que sejamos tachados como seitas, porque somos uma religião, não somos um ramo religioso. Não somos seita, somos religião! E ela está dentro de nós, e nós cultuamos essa religião com toda energia; é algo que podemos sentir no dia-a-dia da nossa vida.

Portanto, meus irmãos, vamos dar as mãos e vamos seguir lutando contra todo tipo de discriminação. Vamos nos impor para que as pessoas, lá fora, que dizem que somos bichos-papões, que dizem que comemos criancinhas, que fazemos o mal e que somos coisa do demônio, saibam quem somos e fazemos a caridade. Nós somos o amor, somos a fraternidade, a integridade. Praticamos e buscamos o bem do nosso semelhante e lutamos por esse bem. Daí a importância de continuarmos esse trabalho, mas unidos.

Neste momento, sinto uma vibração fabulosa. Vejo tantos irmãos nossos, líderes  religiosos presentes. Sinto-me lisonjeado e agradecido por mais este momento, quando o Município de Porto Alegre reconhece o meu trabalho, a minha luta, reconhece o que, ao longo dos anos, venho enfrentando para garantir que a nossa religião seja respeitada em todos os setores da sociedade. Vejo tantos irmãos aqui presentes, alguns até com compromissos religiosos, pessoas que não poderiam estar aqui, mas que vieram: meus amigos, muitos amigos, meus filhos de santo, meus netos, meus familiares que me acompanham nesta luta e que comungam do meu dia-a-dia, das minhas tristezas, das minhas alegrias e angústias. Enfim, é importante a presença dos senhores para que eu possa continuar o meu trabalho, a minha luta, para que eu possa, com a energia que todos os senhores estão me dando neste momento, levar adiante essa luta titânica que não vai terminar. Recém está começando, meus irmãos. Porque são vocês que me impulsionam para a vitória, vocês que me impulsionam para essa figura polêmica que eu sempre fui e sou e tenho orgulho de ser, para que eu possa vencer esses obstáculos em nome de uma comunidade, em nome de uma religião, em nome de todos que aqui estão presentes.

Eu quero agradecer a presença de todos, desta comunidade, e dizer, Sr. Presidente e Srs. Vereadores, que me sinto dignificado e que vou honrar este Título de Cidadão Emérito de Porto Alegre. Vou ser o verdadeiro porto-alegrense, como sempre fui, com  mais garra, com  mais energia, com mais ânimo. Quero pedir aqui que os nossos orixás possam dar a todos os senhores um grande axé, um axé de vida, de saúde, que todos aqueles que estão aqui presentes possam levar para as suas casas a força, o axé dos nossos orixás para superar todas as adversidades da vida.

Para encerrar, meus irmãos, quero dizer que nós não podemos desprezar nunca a coisa mais importante da face da terra. Vem de uma palavra, que é o “amor”. Essa palavra “amor” encerra todo o segredo para a nossa felicidade. E eu sou um homem feliz, sempre fui, sempre serei, graças aos nossos orixás. Digo que o amor é a única solução para acabar, para diminuir, para curar todas as dores do ser humano, as dores espirituais, as dores materiais. O amor é o único que pode salvar a humanidade.

Portanto, eu quero deixar aqui o meu agradecimento aos senhores. E nunca se esqueçam do amor. Preguem o amor a todo momento e em todos os lugares onde vocês adentrarem, porque só assim nós poderemos ser felizes. Em nome de nossos orixás, preguem o amor sempre, sem cessar, porque é buscando que nós encontramos amor, amor e amor.

Muito obrigado, meus irmãos. Eu amo muito todos vocês, do fundo do meu coração. Meu agô.

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Encerramos esta Sessão Solene de concessão do Título de Cidadão Emérito de Porto Alegre ao Sr. Jorge Verardi, esta Sessão cujas presenças de todos os senhores revelaram o prestígio e o reconhecimento dessa grande comunidade de Umbanda do Rio Grande do Sul, comunidade de cultos afro-brasileiros. Nós aqui, neste momento, invocamos a referência feita pelo autor da presente Sessão que, quando se referia à epopéia Farroupilha, referia-se também às figuras extraordinárias pela valentia, pela coragem, pela intrepidez dos lanceiros negros, e é dentro desse espírito, sobretudo nos dias que encerraram a Semana da Pátria e em que se dá início à Semana Farroupilha, que nós convidamos a todos os presentes para, em pé, ouvirmos o Hino Rio-Grandense.

 

(Executa-se o Hino Rio-Grandense.)

 

Convidamos todos a participarem do coquetel que será oferecido aos presentes. Agradecemos a presença de todos e encerramos a presente Sessão Solene.

 

(Encerra-se a Sessão às 20h44min.)

 

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